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CRíTICA AO ESPETáCULO PALITA NO TRAPéZIO, POR BETH NéSPOLI - 11.11.2015 às 13:57:26

Por: Assessoria de Comunicação

X Semana de Teatro no Maranhão
Crítica – “Palita no Trapézio (Cia. Miramundo – São Luis, MA)
Palita no Trapézio, uma palhaça de boa cepa.
*Beth Néspoli
Vem de milenar linhagem cômica a personagem central da peça Palita no Trapézio que abriu na manhã de terça-feira a programação infantil da X Semana de Teatro no Maranhão. Palita, palhaça criada por Michelle Cabral, que também assina texto e direção, é parente do João Grilo, do Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna e do boneco Benedito, das histórias de Mamulengo, uma família artística de gente de barriga vazia e cabeça cheia de artimanhas. Gente que pode pouco contra o poder, mas não hesita diante da oportunidade de avançar por territórios proibidos, ainda que depois tenha de pagar a façanha no próprio lombo debaixo de pauladas.
Professora do departamento de Artes da Universidade Federal do Maranhão e pesquisadora da linguagem circense, Michelle se filia a essa longa tradição na condição de quem conhece a linguagem escolhida e busca dela se apropriar a partir do próprio corpo. Criado em 2010, o espetáculo Palita no Trapézio, que integra o repertório da Cia. Miramundo, vem sendo maturado em muitas jornadas, já tendo circulado por nove estados brasileiros, informação obtida no site do grupo.
O primeiro movimento da peça merece destaque pelo modo como capta a atenção do público infantil sem apelar para batidos procedimentos de abertura, em geral investidos de muito ruído e cor, como se a capacidade de atenção das crianças também fosse de baixa estatura. Michelle faz uso da matéria-prima da ansiedade e da expectativa naturais em quem aguarda numa sala teatral para moldar uma situação cujo objetivo é atiçar curiosidade e estimular a imaginação.
Assim, antes mesmo da abertura das cortinas, o público escuta uma voz em off sem conseguir localizar sua origem. Logo percebe tratar-se de alguém que entrou por uma porta errada e está explorando os bastidores do teatro. Na apresentação acompanhada pela crítica as primeiras filas do Teatro Artur Azevedo – construído em 1815 é um daqueles teatros municipais de arquitetura grandiosa, frisas e camarotes, um edifício teatral por si só capaz de encantar o olhar – estava um grupo de crianças uniformizadas que havia entrado em formação, mãos nos ombros do colega da frente, e ocupara as primeiras fileiras sob rígida disciplina. Assumindo o seu lugar na arte, a voz da palhaça ousa o proibido e profana o templo onde só se entra pagando, cada um tem o seu lugar, que não pode ser trocado, como avisa o anúncio oficial disparado antes do início da sessão.
Pouco depois a dona da voz surgirá em carne e osso no palco aos tropeções, perseguida por um técnico, que logo a expulsará também do tablado, provocando as primeiras sonoras e gostosas gargalhadas na criançada. Como aqueles meninos e meninas, ela recebe ordens de ficar quieta e em seu lugar. Mas é justamente do seu lugar (de classe) que o palhaço sempre tentará sair com a coragem que muitos de nós mortais já perdemos. Por isso torcemos por ele, mas também rimos de alívio quando a surra vem (só) para ele. Apoiada no conhecimento de tal ambiguidade, característica do humor popular, Michelle cria as melhores cenas de Palita no Trapézio.
Sentada à força na plateia, a palhaça fala pelos cotovelos e assim a autora/atuadora desenha com poucos traços, e em síntese cômico-poética, a figura da garota sem dinheiro, mas não sem voz – com língua ferina ela credita ao fato da programação ser gratuita o atraso para início da sessão –, que mesmo sem perspectiva não desiste de alimentar o sonho de ser trapezista. Este último elemento, o sonho projetado no futuro, será trabalhado em chave lírica mais adiante no espetáculo, alterando o desenho da figura.
Tal inflexão se dá porque Michelle constrói sua trama cênica numa zona limiar entre duas vertentes de humor: ora puxa os fios da tradição cômica cujos personagens e seus ardis têm como único objetivo encher o estômago, sempre com consequências desastrosas, ora costura com as linhas do palhaço triste que, incapaz de agir sobre a realidade injusta, recria no isolamento um mundo particular e sonhado.
A primeira vertente dá a ela a possibilidade de subir ao palco quando o mestre de cerimônias (Ricardo Torres) anuncia que não haverá espetáculo porque o trapezista não veio. Sem perder a chance de abusar do poder adquirido junto com o ingresso ela protesta com tanta veemência que acaba contratada, não sem antes inventar uma mentira e conquistar a cumplicidade do espectador para acobertá-la. E quando tudo dá errado, em vez dos tradicionais cascudos ou chutes no traseiro, Michelle opta por um deslocamento poético e instaura uma atmosfera lúdica de outra ordem na cena em que Palita, solitária, brinca com sua boneca de pano numa miniatura de trapézio.
Se a hibridização enriquece, o riso só brota porque para além do domínio técnico para manipular os materiais escolhidos, Michelle possui a verve cômica adequada ao humor exigido do palhaço, uma certa qualidade de presença muito particular e difícil de ser explicada, sem a qual o elo estabelecido pela triangulação se esgarça e a atenção se dispersa. Não por acaso será num clássico número circense, quando é preciso alto grau de rigor técnico para parecer não existir nenhum, que a atuação atinge seu ponto máximo. Assumindo as posições mais esdrúxulas e urrando de medo pendurada no trapézio ela faz brotar gargalhadas em adultos e crianças, fazendo pensar que o rótulo infantil talvez seja redutor para Palita no Trapézio.
Se há um reparo que se pode fazer, como contribuição ao processo de criação que, sabe-se, nunca termina, esse vem do tempo dedicado ao número do trapézio, interrompido antes que tenha se esgotado como acontecimento cênico. O número “bem-feito”, no espaço do sonho, acaba sendo mais valorizado dentro da estrutura do espetáculo do que a da execução torta. Por outro lado, é visível o rigor na criação do movimento desajeitado e talvez por isso, para não correr o risco de mostrar de modo precário aquilo que só tem de parecer improvisado, Michelle não o tenha expandido. Talvez a exigência crítica da porção professora/pesquisadora ainda controle a artista e seu despudor para se lançar no risco que é a matéria mesma com a qual trabalha: o ridículo do fracasso. Talvez seja só a falta de um olhar de fora que ajude a costurar algumas poucas pontas ainda soltas.

Beth Néspoli é jornalista, crítica e pesquisadora com doutorado em artes cênicas pela USP.

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