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CRíTICA AO ESPETáCULO “VELHOS CAEM DO CéU COMO CANIVETES”, POR KIL ABREU - 15.11.2015 às 09:53:36

Por: Assessoria de Comunicação

X Semana de teatro no Maranhão
Crítica: “Velhos caem do céu como canivetes” – Pequena Companhia de teatro , São Luis (MA)

Uma pequena grande Companhia e suas asas enormes

Kil Abreu
Ao assistir ao espetáculo da maranhense Pequena Companhia de teatro e ao olhar o entorno onde ela se inspira a sensação se aproxima disto: a escolha dos materiais e as operações de linguagem sobre eles como que criam um parangolé dramático talhado à medida pra vesti-los. O conto de Gabriel Garcia Marquez (Um senhor muito velho com suas asas enormes) oferece o tecido, a matéria primeira, mas a montagem é fruto de motivos, modelos e técnicas intuídas pelo próprio grupo, de uma maneira que mesmo estando lá bem presente a inspiração, trata-se de uma obra nova, em boa medida autônoma quanto aos seus argumentos.
O ser alado que cai no terreiro, um anjo velho (mas imprestável para a metafísica), é parente mais novo do faquir de Kafka (Um artista da fome), e dele empresta senão o mesmo destino ao menos a trajetória. Como aquele, é criatura marcada por uma diferença fundamental, fora do raio da compreensão ordinária ( as asas, a origem ignorada, a sobrevivência na contingência).
Na versão do encenador Marcelo Flecha esta incongruência viva é recolhida por um miserável, um catador de lixo . E daqui desdobra-se já a operação fundamental que dá ossatura à dramaturgia e a inventa como coisa nova: o anjo, que no conto do autor colombiano não diz palavra, aqui não só faz as réplicas ao outro como também cria o espaço para um diálogo político-existencial capaz de instaurar questões novas e de fazer as relações/aproximações que o grupo quer explorar, tendo como medida a sua própria realidade.
Ao ceticismo e pessimismo de um (cuja seiva das idealizações diante do mundo parece ter sido toda extraída) correspondem as provocações do outro, expressas em uma espécie de fé paradoxal (porque instaurada não através da crença ou do dogma, mas através da dúvida e de perguntas essenciais sobre o sentido do existir). Daí que de García Márquez a Kafka e de Kafka ao próprio grupo os caminhos tendem a estreitar-se. É que em qualquer caso o que margeia, acidentalmente ou não, todas estas narrativas - inclusive esta atual, proposta pela Pequena Companhia - é a discussão da liberdade como lugar problemático para onde convergem os enfrentamentos entre miséria e transcendência, entre rotina e maravilhamento (para lembrar a ótima expressão citada pela Beth Nespoli), entre enquadramento e possibilidades de criação.
Os pontos de vista das personagens, por opostas que pareçam, se afunilam e se irmanam em uma condição semelhante, que é a do exilado ( na própria diferença, na própria história ou no próprio lugar). E a consciência destes seres exilados, quando trágica, tem a ver com o atravessamento da liberdade pelo desconforto, pela certeza da finitude tanto quanto a insuficiência da vida. Consciência do abandono de Deus tanto quanto da instalação de um mal que parece injusto e irrevogável. Por isso a perspectiva de pertencimento é inócua. Partindo de um plano de pensamento tão niilista quanto este a Pequena Companhia responde com uma dialética bem sustentada. E faz desse campo o solo fértil para um teatro provocativo e de muita qualidade.
A dramaturgia alinhavada por Marcelo Flecha traz um jogo muito cuidadoso e fundo entre as réplicas . Cuidadoso no aspecto que mais interessa a uma arte da síntese como o teatro: o diálogo entre os dois personagens não deixa sobras, tudo se aproveita. É ótimo alicerce para a cena. As falas são inteligentes não porque complexas, mas porque na aparente objetividade conseguem instaurar questões que permanecem astuciosamente abertas, à espera das nossas (plateia) colaborações íntimas para que se arredondem. Ao mesmo tempo trazem o desacordo necessário para fazer com que os personagens, segundo as suas posições , se movimentem de um ponto a outro, no sentido da argumentação. O resultado é tão bom que o contraste fica evidente nos poucos momentos em que essa mecânica é negociada e uma ou outra ideia parece fugir ao universo das personagens, expressando a voz do autor lateralmente ao conflito que está em andamento.
No plano visual do espetáculo organiza-se em um mesmo movimento orgânico luz, cenário e atuações. Sob o mote de que o agora catador de latinhas tenha sido em algum momento da vida um artista plástico cria-se a ambientação em que os objetos são tão úteis quanto altamente simbólicos. E assim o plano particular da fábula faz a liga com o contexto social onde agora ela é atualizada . Por exemplo, há uma significativa instalação com latas de Guaraná Jesus funcionando como a coluna de sustentação do casebre; crucifixos estilizados servem de lenha em um fogareiro de luz. São desdobramentos do plano cenográfico que cavam aqui e ali outras camadas de sentido, a refazer os significados do texto de García Márquez, colocando-o a serviço de outros imaginários e circunstâncias.
Este quadro só se completa, evidentemente, no trabalho dos atores (Jorge Choairy e Claudio Marconcine) . É quando se pode colocar em perspectiva a história recente do grupo e dizer que esta montagem de agora reafirma, com excelência, o rigor já apontado em “Pai e Filho”, o espetáculo anterior. São atuações ‘construtivas’, decididamente erguidas na estilização dos gestos e das vozes, por fora de qualquer concepção maneirista. Sem se deixar tomar pelo mero formalismo, o trabalho dos dois intérpretes desenha humanidades complexas, em composições bem cortadas, postas a serviço de uma dinâmica viva de sons, ritmos e deslocamentos.
Se formos cruzar obra e contexto a impressão que se tem depois de observar minimamente as circunstâncias possíveis para o fazer teatral em São Luis do Maranhão é de que a Pequena Companhia vem traçando uma trajetória por fora da ordem dada. A tomar por este “Velhos caem do céu como canivetes” trata-se de um milagre criativo que certamente não dispensa o trabalho e o esforço que são visíveis na fatura final do espetáculo. É um trabalho maduro quanto ao resultado artístico tanto quanto pelo equilíbrio justo, difícil de alcançar , entre forma e pensamento. De alguma maneira o grupo corrige com potência, nos seus modos próprios, as condições nem sempre favoráveis para que se mantenha de pé um teatro vivo.
*Kil Abreu é jornalista, crítico e pesquisador. Curador de teatro do Centro Cultural São Paulo

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